A descoberta de uma “transmissão secreta” de 1 de abril |
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O que a Ufologia, Star Wars, Superman e James Bond têm em comum? Um ator chamado Shane Rimmer. Esta é a história de como um ator clássico de ficção científica foi confundido não com um, mas com dois astronautas reais: Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin, os primeiros homens a pisar na Lua. E como Rimmer adentrou no mundo alternativo das crenças em discos voadores.
O caso foi divulgado no Brasil em rede nacional no dia 24 de julho de 2003, quando ufólogos brasileiros participaram do programa de televisão “Boa Noite Brasil”, em companhia do tenente-coronel aviador Marcos César Pontes. Os ufólogos incluíam membros do conselho editorial da revista “UFO”, publicação “dedicada ao estudo dos discos voadores”. O tenente-coronel Pontes é o brasileiro escolhido em 1998 pela NASA e pela Agência Espacial Brasileira para ser o primeiro astronauta do Brasil[1], o que deu a temática ao programa: astronautas e OVNIs.
Na ocasião, o clímax de todo o show foi a exibição do trecho de um documentário italiano produzido por um suposto estigmatizado, Giorgio Bongiovanni: “Filmagens de UFOs no Espaço”. O documentário é vendido pela revista “UFO”, recomendado com seis estrelas pela publicação como “imperdível”[2]. O trecho impactante consistia em uma suposta transmissão secreta de áudio entre a Apollo 11 e Houston, onde Neil Armstrong e Buzz Aldrin vêem algo “inacreditável” em nosso satélite natural. O áudio pode ser baixado e ouvido no sítio italiano “nonsoloufo”[3], que também o promove como originário da missão Apollo 11:
Armstrong: | - Ah! O que é isto? |
Aldrin: | - Temos alguma explicação para isto? |
Houston: | - Não temos, não se preocupem, continuem seu programa! |
Armstrong: | - Oh, garoto, é... é... é algo realmente super fantástico aqui... você... você nunca poderia imaginar isto! |
Houston: | - Entendido, nós sabemos sobre isso, você pode ir para o outro lado? Volte para o outro lado! |
Armstrong: | - Bem, há algo como um topo lá em cima com uma coisa bem espetacular... ah meu Deus! O que é aquilo lá? É tudo que eu quero saber! Que diabos é aquilo? |
Houston: | - Vá para Tango, Tango! |
Armstrong: | - Ah! Há agora algo como uma luz lá! |
Houston: | - Entendido, nós sabemos, perdendo comunicação... Bravo Tango, Bravo Tango, selecione Jezebel, Jezebel! |
Armstrong: | - ... sim... ah!... mas isto é inacreditável! |
Houston: | - Nós o chamamos, Bravo tango, Bravo Tango! |
No dia seguinte à exibição do programa no Brasil, tentei entrar em contato com os ufólogos que participaram do programa através do correio eletrônico, avisando que o áudio seria uma fraude e que o trecho da suposta conversa podia ser encontrado em um livro de ficção, “Alternative 3”. Infelizmente, à época não obtive resposta[4]. Logo enviei uma mensagem também a uma lista internacional de discussão sobre ufologia[5]. Sobre ela, recebi uma resposta, mas de Ademar Gevaerd, editor da mesma revista “UFO”. Gevaerd confirmou que o áudio é vendido pela publicação, mas que não conhecia nada concreto sobre a autenticidade ou não do mesmo. Outra tentativa que não deu resultados concretos foi uma carta enviada à Nova Zelândia para Leslie Watkins, autor do livro “Alternative 3”[6], com um envelope pago de resposta, mas que não retornou.
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Porém, “Alternative 3” era mesmo a resposta. O livro foi baseado em um programa de TV transmitido pela Anglia Television britânica alguns meses antes, em 20 de junho de 1977[7]. Era o último de uma série de documentários científicos sérios, “Science Report”, mas estava originalmente agendado para ser exibido em 1o de abril, como uma brincadeira. Embora tenha acabado sendo exibido em junho, permaneceu com o crédito final destacando a data original: o dia da mentira, dos tolos.
Os que assistiram ao pseudo-documentário descobririam que o misterioso desaparecimento de alguns cientistas ingleses revelava uma enorme conspiração mundial em que o governo dos Estados Unidos e a União Soviética, em um dos auges da Guerra Fria, eram na verdade parceiros que cooperavam em segredo. O plano sinistro, a “Alternativa 3”, envolvia o colapso ambiental da Terra e a morte da maior parte da população, enquanto a elite estabelecida escaparia para colônias espaciais na Lua ou em Marte. O sóbrio apresentador encerrava o programa dizendo: “nós sentimos muito que as implicações do que você viu são pouco otimistas sobre o futuro da vida neste planeta, contudo, tem sido nossa tarefa apresentar os fatos, como os entendemos. E esperar a resposta. Boa noite”. Isso, claro, seguido pelo crédito de 1 de abril.
Quando assisti ao pseudo-documentário, o que sim descobri foi que o suposto áudio “da Apollo 11” que estava investigando não estava baseado no livro Alternativa 3, e sim que era nada menos que o áudio copiado diretamente do programa de 1o de abril! O áudio original desse diálogo pode ser ouvido pouco mais de um minuto após o início da segunda parte do show[8].
Que o áudio seja originário da brincadeira de “Alternativa 3” explica todo o conteúdo da conversa. O astronauta na Lua, que não é nem Neil Armstrong, nem Buzz Aldrin, mas um fictício personagem chamado “Bob Grodin”, não está vendo discos voadores. O que ele viu quando foi à Lua foram colônias humanas já instaladas, parte da conspiração interplanetária da Alternativa 3. É por esse motivo que Houston não dá atenção a sua surpresa e avisa que “já sabe sobre isso”.
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“Bob Grodin”, o astronauta Apollo que nunca existiu, |
Segundo “Alternativa 3”, o homem não pisou na Lua apenas em 1969: o gran finale da paródia é nada menos que um vídeo mostrando o primeiro pouso tripulado de americanos e soviéticos em Marte no ano de 1962. Como se não fosse o bastante, o vídeo mostra um animal se mexendo no solo marciano.
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Os créditos finais da paródia “Alternativa 3”, se havia dúvidas sobre a autenticidade do programa, listam os personagens e os atores que desempenharam os papéis. E lá estava o ator Shane Rimmer como nosso astronauta, “Bob Grodin”. Uma pesquisa rapidamente revelou sua página pessoal[9] e a descoberta de que Rimmer é um ator com décadas de profissão que deve ser familiar a todos amantes de ficção científica. Sua estréia como ator, em 1963, foi como o “co-piloto Ace” no clássico de Kubrick, “Doutor Fantástico”. Daí em diante, Rimmer estrelou vários filmes como Fu Man Chu, com Peter Sellers, a série 007 (“Os diamantes são eternos”, “Só se vive duas vezes”, “O espião que me amava”), Superman 2 e 3 e nada menos que Star Wars, como um engenheiro Incom.
Rimmer também foi a voz de “Scott Tracy” na série animada Thunderbirds, dos anos 60. Contatei assim o ator para confirmar se ele era de fato a voz do “astronauta Bob Grodin” no áudio em que diz ver coisas “super fantásticas” na Lua. Ele gentilmente respondeu:
“Sim, aqui está a confirmação de que era eu, Shane Rimmer, como a voz de Bob Grodin em ‘Alternativa 3’. Foi divulgado, como parte da promoção da exibição aqui no Reino Unido, que era gravado de um link secreto de comunicação entre a Apollo 11 e o controle da missão.”
E é assim que uma brincadeira de 1o de abril, que a despeito de sua paródia, não envolvia extraterrestres, acabou sendo visto por alguns na ufologia como real. Quase trinta anos depois de criado, um trecho de “Alternativa 3” ainda é capaz de confundir, ainda mais quando promovido em pseudo-documentários que infelizmente não são, ou admitem ser, brincadeiras de 1o de abril. Porém, considerando a longa série de paranóia e credulidade que vem acompanhando “Alternativa 3” desde sua concepção – incluindo alguns que acreditam que todo o pseudo-documentário não seria nada falso – este é só mais um desenrolar da história. Nick Austin, que coordenou a publicação do livro “Alternative 3”, desabafa em seu artigo para Fortean Times: “por que uma fraude bem-feita, abertamente admitida como tal por seus criadores, deveria continuar a exercer a fascinação que tão obviamente exerce uma geração depois de sua aparição está além de meus parcos poderes de análise e explicação”.
Shane Rimmer em 007 e Star Wars |
Curiosamente, o suposto áudio Apollo criado por “Alternativa 3” parece ser o único áudio existente destas supostas “transmissões secretas” da NASA entre a Lua e a Terra. Há toda uma série de fraudes na ufologia relacionando a histórica missão Apollo 11 a OVNIs[10], incluindo uma conversa muito mais famosa envolvendo “bebês gigantes”, a chamada “transcrição Pepper”, mas elas parecem existir apenas em histórias e textos de pessoas que alegam ter ouvido o áudio. O trabalho de James Oberg, engenheiro espacial de Houston, EUA, entre outros, esclarece que nenhuma destas “transmissões secretas” jamais ocorreu. São fraudes comumente piores que “Alternativa 3”. Esta investigação e a descoberta da verdadeira origem do áudio apenas confirma a constatação, realizada mesmo pelo ufólogo J. Allen Hynek, que declarou em 1978 que “estas histórias de OVNI são falsas”.
Como notou Oberg: “Duas perguntas vêm à mente, mas não podem ser respondidas. Primeiro, a Apolo 11 não era excitante o bastante sem os OVNIs fictícios? E segundo, se há tantos outros casos OVNI verdadeiramente autênticos em registro, por que os ufólogos têm que confiar tanto em evidência duvidosa assim?”.
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Agradecimentos
Com agradecimentos especiais ao ator Shane Rimmer pelo auxílio.
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