domingo, 14 de junho de 2009

A LUA É UMA BASE OVNI COM BEBÊS GIGANTES ?

A Lua é uma Base OVNI (com Bebês Gigantes)?
Selecione Jezebel
Kentaro Mori

A humanidade havia dado seu grande salto. Neil Armstrong marcava seu primeiro passo em um outro mundo. E junto com mais de meio bilhão de pessoas grudadas à tela da TV, os outros mundos também teriam vindo assistir ao evento. Ao vivo. Rumores de que a chegada do homem à Lua foram acompanhados por naves extraterrestres surgiram pouco depois do histórico dia de 20 de julho de 1969, incluindo provas como dramáticas transmissões de áudio do contato imediato.

Logo após os astronautas Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins voltarem à Terra em meados de 1969, uma fita e a transcrição do que realmente foi dito na Lua começaram a circular entre ufólogos. A revista National Bulletin de setembro do mesmo ano anunciava na capa: “Falsas Falhas de Transmissão Escondem Descoberta da Apolo 11. A Lua é uma Base OVNI!”. No artigo, Sam Pepper deu sua versão da “Transcrição da Fita Ultra-Secreta” de “um vazamento perto dos altos escalões”. Ela segue na íntegra, com o diálogo entre a Apollo 11 (A) e o Controle da Missão (CM):

A: O que era aquilo, que diabos era aquilo? É tudo que eu quero saber. Esse bebês são gigantes, senhor, eles são enormes. Não, isso é apenas distorção no campo. Oh, Deus, você não acreditaria...
CM: O que... o que diabos está acontecendo? Qual é o problema com vocês rapazes?
A: Eles estão aqui, abaixo da superfície...
CM: O que está aí? Controle da Missão chamando Apollo 11...
A: Entendido, estamos aqui, nós três, mas encontramos alguns visitantes. Sim, eles estão aqui há um bom tempo a julgar pelas instalações.
CM: Controle da Missão, repita a última mensagem
A: Eu estou dizendo, há outras naves por lá. Estão alinhadas em fileiras no outro lado da borda da cratera.
CM: Repita, repita.
A: Vamos ter essa órbita escaneada e voltar para casa. Em 625 ao quinto, auto-relés ajustados. Minhas mãos estão tremendo tanto. Filme, sim, as malditas câmeras estavam clicando daqui de cima.
CM: Vocês conseguiram capturar algo?
A: Não tínhamos mais filme na hora. Três fotos dos discos, ou o que quer que fossem. Podem ter queimado o filme.
CM: Controle da Missão, aqui é o Controle da Missão, vocês estão a caminho, repito, vocês estão a caminho? O que é essa agitação sobre OVNIs? Câmbio.
A: Eles estão alojados lá embaixo. Eles estão na Lua, nos observando.
CM: Os espelhos, os espelhos, vocês os instalaram, não?
A: Sim, os espelhos estão todos no lugar. Mas o que quer que construiu essas naves provavelmente irá vir aqui arrancá-los pelas raízes amanhã...

Com algumas variações e trechos omitidos ou adicionados, a “Transcrição Pepper” e seus “bebês gigantes” é seguramente o diálogo mais circulado para apoiar as histórias de encontros da Apollo 11 com extraterrestres na Lua. Sendo assim, é mais do que necessário questionar: é mesmo real?

“Nós três”

Antes de mais nada, uma leitura atenta da transcrição Pepper denuncia alguns erros crassos no próprio diálogo. “Estamos aqui, nós três”, os astronautas teriam dito, o que não faz muito sentido já que somente Amstrong e Aldrin estavam sobre a superfície lunar – Collins permanecia em órbita. Enquanto isso, cada vez que se repete “Controle da Missão” a transcrição se torna mais inverossímil. Essa expressão de enrolar a língua nunca foi usada nas comunicações, dando lugar ao termo muito mais simples, “Houston” (“Houston, temos um problema”, ao invés de “Controle da Missão, temos um problema”). “Repita, repita” é outra expressão não usada, substituída por “diga de novo” (Say again), por exemplo.

A essas incoerências se somam as tecnobaboseiras na transcrição. Se você não entendeu o que “distorção no campo”, “órbita escaneada”, “em 625 ao quinto”, “auto-relés ajustados” querem dizer, não se preocupe. São termos que soam técnicos mas não apenas nunca foram usados, como não têm qualquer significado real. A tecnobaboseira é muito usada em ficção científica, como a rebimboca da parafuseta.

Apenas isso talvez já bastasse para descartar a suposta transcrição como uma fraude mal-feita. A história, contudo, vem sendo repetida há décadas na ufologia, apoiada por fontes que lhe forneceriam corroboração. Uma olhada a essas fontes notáveis é nosso próximo passo.

Shazam!

Um grande inconveniente na investigação da transcrição Pepper é o detalhe de que o próprio Sam Pepper desapareceu. Não há qualquer outra contribuição desse jornalista, não localizado por ninguém, e pouco citado na própria ufologia. Mas deixemos seu estranho desaparecimento para depois, o inconveniente é logo deixado para trás porque outros vieram à tona não só para apoiar a transcrição e os “bebês gigantes”, mas ostentando credenciais impressionantes. Entre eles, Otto Binder, “especialista em astronáutica”, Maurice Chatelain, “chefe de comunicações da NASA”, e Christopher Kraft, nada menos que diretor da base em Houston durante as missões.

Comecemos com Kraft, que realmente foi diretor em Houston. Diversas fontes citam Kraft como a voz do “Controle da Missão” que falava com os astronautas durante os contatos imediatos. Elas geralmente repetem um erro de tipografia e soletram seu nome como “Craft”. Este é o menor dos erros, já que o problema principal nessas histórias é o de que Kraft de fato não falava diretamente com os astronautas. A tarefa era atribuída aos Capcom (Capsule Communicator), normalmente também astronautas que faziam a ponte para se preparar para suas futuras tarefas no espaço. O Capcom da Apollo 11 durante as atividades fora do veículo foi o Capitão Bruce McCandless, que em 1984 se tornaria o primeiro homem a flutuar livre no espaço, sem um cordão prendendo-o à espaçonave.

Passemos a Otto Binder, fonte muito citada como “especialista em aeronáutica”, o que ele realmente não foi. Binder era autor de histórias de ficção científica e revistas em quadrinhos em meados do século 20, sendo particularmente famoso no ramo. Roteirizou e criou personagens de centenas de histórias da Marvel, em particular do capitão Marvel (“Shazam!”). Entusiasta de OVNIs e empolgado com os rumores de naves acompanhando a Apollo 11, promoveu-as com afinco e foi retribuído ao ser envolvido como uma das peças centrais em tais rumores. Seu artigo na revista Saga sobre o assunto é muito citado. Posteriormente ele publicaria na mesma revista um artigo sobre mortes misteriosas de ufólogos.

E chegamos a Maurice Chatelain. Se a transcrição Pepper é a mais conhecida, provavelmente é porque seu trecho dos “bebês gigantes” foi repetida por Chatelain, invariavelmente citado entre todos rumores de astronautas e OVNIs, já que supostamente seria “chefe de comunicações da NASA”. O que ele definitivamente não foi. Engenheiro francês que emigrou para os EUA, Chatelain trabalhou com sistemas eletrônicos de comunicação e eventualmente foi empregado de uma empresa chamada North American Aviation. Essa empresa de fato esteve envolvida com o projeto Apollo, como uma das milhares de empresas e universidades com trabalho terceirizado pela agência espacial. Em seu ápice no projeto Apollo, a NASA contava com 35.000 funcionários diretos e mais de 400.000 indiretos. O interessante a nós é que Maurice Chatelain não era nenhum deles.

James Oberg, engenheiro espacial em Houston, contatou a North American Aviation na Califórnia em busca de mais informações sobre o que exatamente Chatelain teria feito enquanto trabalhava lá. E descobriu que Maurice Chatelain já não trabalhava mais na companhia durante o projeto Apollo. Nunca foi “chefe de comunicações”, e assim dificilmente instruiu os astronautas em palavras-código, como propagandeado. Chatelain nunca esteve associado à NASA, nem mesmo como empregado de uma empresa terceirizada.

Tanto com Kraft, como com Binder e Chatelain, podemos traçar o caminho provável pelos quais eles se transformaram em fontes desses rumores. Cristopher Kraft, diretor do centro especial em Houston, pelo descuido de alguém se transformou na própria voz do “Controle da Missão”. Otto Binder, autor de histórias em quadrinhos e ficção científica, se tornava pelo lapso de outro alguém em “especialista em astronáutica”. E Maurice Chatelain, autor de um livro chamado “Nosso Ancestrais Vieram do Espaço”, onde é descrito pouco modestamente como “ex-responsável pelos sistemas de comunicação da NASA e um dos fundadores do programa Apollo” se transmutava em “chefe de comunicações da NASA” pela falta de investigação de todos.

Para encerrar nossa olhada nas fontes, voltamos então ao jornalista Sam Pepper e seu desaparecimento. Antes de pensar em conspirações, quem sabe olhando ao artigo de Binder sobre mortes misteriosas de ufólogos, é bom notar que o National Bulletin era um tablóide, veículo popular na América do Norte e que aqui no Brasil teria um paralelo com o infame e já extinto Notícias Populares. É prática comum de tais tablóides inventar histórias, e com elas, inventar jornalistas. O que significa que na transcrição Pepper, tanto a transcrição como Pepper eram fictícios.

Selecione Jezebel

A transcrição Pepper não está sozinha. Uma fraude um pouco melhor, desta vez com uma gravação propriamente dita – e não apenas uma transcrição – lhe faz uma certa homenagem, já que é inspirada nela. Promovida em um documentário italiano, divulgada por ufólogos e muito circulada pela internet, onde pode ser baixada e ouvida, a gravação original em inglês pode ser traduzida como:

Armstrong: Ah! O que é isto?
Aldrin: Temos alguma explicação para isto?
Houston: Não temos, não se preocupem, continuem seu programa!
Armstrong: Oh, garoto, é... é... é algo realmente super fantástico aqui... você... você nunca poderia imaginar isto!
Houston: Entendido, nós sabemos sobre isso, você pode ir para o outro lado? Volte para o outro lado!
Armstrong: Bem, há algo como um topo lá em cima com uma coisa bem espetacular... ah meu Deus! O que é aquilo lá? É tudo que eu quero saber! Que diabos é aquilo?
Houston: Vá para Tango, Tango!
Armstrong: Ah! Há agora algo como uma luz lá!
Houston: Entendido, nós sabemos, perdendo comunicação... Bravo Tango, Bravo Tango, selecione Jezebel, Jezebel!
Armstrong: ... sim... ah!... mas isto é inacreditável!
Houston: Nós o chamamos, Bravo tango, Bravo Tango!

“Science Report, 1 de abril de 1977”
“Science Report, 1 de abril de 1977”

Uma das primeiras fontes que promoveu essa gravação foi um livro intitulado “Alternativa 3”, baseado em um programa de TV transmitido pela Anglia Television britânica meses antes, em 20 de junho de 1977. O programa era o último de uma série de documentários científicos sérios, Science Report, mas estava originalmente agendado para ser exibido em 1 de abril, como uma brincadeira. Embora tenha acabado sendo exibido em junho, permaneceu com o crédito final destacando a data original: o dia da mentira, dos tolos.

Os que assistiram ao pseudo-documentário de TV descobririam que o misterioso desaparecimento de alguns cientistas ingleses revelava uma enorme conspiração mundial em que o governo dos Estados Unidos e a União Soviética, em um dos auges da Guerra Fria, eram na verdade parceiros que cooperavam em segredo. O plano sinistro, a “Alternativa 3”, envolvia o colapso ambiental da Terra e a morte da maior parte da população, enquanto a elite estabelecida escaparia para colônias espaciais na Lua ou em Marte. O sóbrio apresentador encerrava o programa dizendo: “nós sentimos muito que as implicações do que você viu são pouco otimistas sobre o futuro da vida neste planeta, contudo, tem sido nossa tarefa apresentar os fatos, como os entendemos. E esperar a resposta. Boa noite”. Isso, claro, seguido pelo crédito de 1 de abril.

Quando assisti ao pseudo-documentário, o que sim descobri foi que o suposto áudio “da Apollo 11” que estava investigando não estava baseado no livro Alternativa 3, e sim que era nada menos que o áudio copiado diretamente do programa de 1 de abril! O áudio original desse diálogo pode ser ouvido pouco mais de um minuto após o início da segunda parte do show.

Os créditos finais da paródia “Alternativa 3”, se havia dúvidas sobre a autenticidade do programa, listam os personagens e os atores que desempenharam os papéis. E lá estava o ator Shane Rimmer como nosso astronauta, “Bob Grodin”. Uma pesquisa rapidamente revelou sua página pessoal e a descoberta de que Rimmer é um ator com décadas de profissão que deve ser familiar a todos amantes de ficção científica. Sua estréia como ator, em 1963, foi como o “co-piloto Ace” no clássico de Kubrick, Doutor Fantástico. Daí em diante, Rimmer estrelou vários filmes como Fu Man Chu, com Peter Sellers, a série 007, Superman 2 e 3 e nada menos que Star Wars, como um engenheiro Incom.

Shane Rimmer em 007 e Star Wars
Shane Rimmer em 007 e Star Wars

Rimmer também foi a voz de “Scott Tracy” na série animada Thunderbirds, dos anos 60. Contatei assim o ator para confirmar se ele era de fato a voz do “astronauta Bob Grodin” no áudio em que diz ver coisas “super fantásticas” na Lua. Ele gentilmente respondeu:

Sim, aqui está a confirmação de que era eu, Shane Rimmer, como a voz de Bob Grodin em ‘Alternativa 3’. Foi divulgado, como parte da promoção da exibição aqui no Reino Unido, que era gravado de um link secreto de comunicação entre a Apollo 11 e o controle da missão.

Negativas

A NASA, claro, nega oficialmente todas essas histórias. O que faz com razão, já que como vimos, elas podem ser demonstradas como fraudes. James Oberg entrevistou dois peritos da agência, Terry White e Charles Redmond, para “Os Incidentes OVNI da Apollo 11”, capítulo de seu livro em que lida com diversas fotografias e filmes de supostos OVNIs nas missões espaciais.

Nós não temos nenhum segredo OVNI. De fato, esta é uma área onde nosso escritório gastou mais tempo vasculhando fotografias e transcrições para as agências de notícia, em resposta às assim chamadas 'alegações OVNI'. Mas até a sugestão de que estamos retendo qualquer coisa, simplesmente não é verdade”, disse Redmond. “Nós sabemos sobre casos onde fornecemos filmes e relatos e estudos técnicos e então vimos essa informação distorcida e dando falsas impressões. Isso é de onde estas histórias sobre astronautas e OVNIs vêm: informação não verificada e distorcida”, completou White.

Todas as fotografias, transcrições de voz e relatórios da missão Apollo estão em domínio público, disponíveis para exame aos interessados. Para a Apollo 11, são quase 1.500 fotografias e dúzias de rolos de filme, com transcrições chegando aos milhares de páginas. Quem se deu o trabalho de checar todo esse material?

Eu fiz esse trabalho”, declarou Oberg, que continua “Outros escritores também. O Dr. J. Allen Hynek visitou o centro espacial de Houston em julho de 1976 e lhe foi mostrado o material em questão. A história original da NASA, surpreendentemente, foi confirmada: Todo o material está disponível. Hynek disse isso em uma entrevista para a Playboy em janeiro de 1978. A opinião de Hynek: estas histórias OVNI são falsas”.

E estes supostos áudios são assim tão reais quanto Papai Noel – que segundo Chatelain seria o código usado pelos astronautas para quando vissem discos voadores. Mas como vimos, o francês Chatelain nunca fez parte da NASA.

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